A redenção tem que vir do coração do homem
- Casa Fundacional de los Talleres de Oración y Vida
- 22 abr 2019
- 10 Min. de lectura
Actualizado: 2 may 2019

IGNACIO LARRAÑAGA SACERDOTE
“A redenção tem que vir do coração do homem”
“Deus não quer que soframos, quer que estejamos sãos e façamos da existência um vale de gozo, porque somente os amados amam e não podem deixar de amar”, diz este franciscano apaixonado por seu trabalho de cura do coração do homem. E diz que não somente os cristãos podem libertar-se do sofrimento. E diz como alcançar isto.
O frei Ignacio Larrañaga é, atualmente, um fenômeno da palavra. Filho de São Francisco de Assis – é capuchinho, uma das ordens franciscanas -, vem a ser algo como um instrumento da Paz do Senhor. Veemente, apaixonado pelas coisas de Deus, saiu pela Espanha primeiro e depois pelo Chile – já que aqui tem sua casa ainda que seja somente por dois meses por ano -, para inundar a América Latina e o mundo com seus livros e sua pregação.
Iniciou o que chamou de Encontros de Experiência de Deus há mais de uma década e até hoje – diz – são centenas de milhares de católicos os que foram tocados e aprenderam a relacionar-se melhor com seu Senhor.
Pode ser insólito para muitos. Porque suas práticas de oração supõem exercícios prévios de relaxamento e de silêncio interior que são similares aos que as religiões orientais vêm praticando por milênios. Mas frei Ignacio esclarece que seu afã é propor caminhos e métodos “para relacionar-se em toda profundidade com o Senhor Deus dos cristãos”.
Escreveu também numerosos livros traduzidos ao inglês, alemão, português, iugoslavo, que já contam com um milhão de exemplares circulando pelo mundo. O último deles, “Sofrimento e Paz”, está destinado não só aos homens e mulheres de fé, mas também a todo habitante deste século que necessite uma explicação e uma ajuda para os males típicos da época: as obsessões, as depressões, as angústias.
Anseia por um tempo novo de maior espiritualidade no mundo. “Esta segunda metade do século é fundamentalmente egoísta, cheia de satisfações imediatas, muito hedonista. Isto fatalmente vai trazer uma insatisfação profunda e de tipo histórico e já calculo que necessariamente atrás disto virá uma grande era de busca pelo transcendente, por Deus. Virá e disto se vê sintomas em todas as partes”, diz.
CURANDO O CORAÇÃO DO HOMEM
Entretanto, ensina a encontrar primeiro a paz interior e depois a paz e a reconciliação com os irmãos, “Eu não toco mais”, diz, “em aspectos que poderíamos chamar de políticos da reconciliação”. “Eu entro nas raízes bíblicas e evangélicas como base de uma paz profunda”.
- Como pode uma pessoa estar em paz em uma sociedade que não está em paz?
- Se cada um de nós luta por aceitar, acolher a nós mesmos, assumir em um ambiente de fé as histórias tristes, os fracassos, o modo de ser, vamos estar em paz e poderemos estar em paz com os demais. E assim a paz se irá irradiando. Isto, além do mais, é o mais realista, é o que a pessoa pode fazer profundamente com ela mesma e na relação direta com as pessoas com quem se relaciona.
- Esses são conceitos pré-conciliares. Porque desde o Concílio Vaticano Segundo consideramos que também tem que olhar as estruturas, a sociedade e atuar aí...
- Correto, mas a pessoa é limitada e seu trabalho também. Por isto dentro dos limites de meu trabalho estou convencido de que a redenção tem que vir do interior do homem. Os inimigos saem do coração do homem e curando-o estamos fazendo um trabalho, indireto que seja, mas de repercussões na sociedade, até conseguir a paz social. Somos limitados, eu não posso pretender colocar-me numa dimensão político-social de tipo internacional e ao mesmo tempo realizar este trabalho que chamaríamos de cura pessoal e redenção pessoal e fraterna.
- O Evangelho tem dois mil anos de vida e o mundo está como está, o que isto indica? Que a Igreja não teve o êxito que deveria?
- Em primeiro lugar considero que hoje o mundo é muito melhor que há dois mil anos. Considero que o Evangelho teve uma repercussão profunda, invisível se assim quer, não na dimensão que desejaríamos, mas teve. Estou convencido, por exemplo, que os socialismos da sociedade ocidental são frutos longínquos do Evangelho. Jesus Cristo foi o homem mais sensível aos pobres, aos explorados, aos necessitados. Isto esteve na alma da cristandade. Quero dizer o seguinte: Um socialismo jamais se originaria num país maometano ou em uma sociedade budista. Brotou dentro do coração da Cristandade. Os direitos humanos, o respeito à pessoa humana, todos são valores evangélicos. “Em segundo lugar, a redenção do homem é muito lenta. De maneira que olhando a história a um nível profundo e longo, transhistórico, estou convencido de que é Jesus Cristo o que verdadeiramente faz a revolução dos corações. Além do mais, os socialismos são um golpe forte contra o egoísmo humano, mais ainda assim ficam intactas as grandes forças interiores que somente toca o Evangelho quando este é vida e não pura teoria”.
- Dá a impressão que você valoriza positivamente os socialismos...
- Valorizo o socialismo enquanto é um ataque ao egoísmo inato do homem. Diria que ao longo dos séculos e dos milênios o único que vale é aquilo que toca o coração do homem. Os socialismos tocam em algo no coração do homem nesse sentido, mas muitos valores como são a sensibilidade, o ódio, não os toca...
- Considera-se que aqueles que valorizam as mudanças sociais não se preocupam com as mudanças pessoais. E vice versa: os que estão na busca da salvação, do desenvolvimento pessoal, não olham para o social...
- De nenhuma maneira. Quero dizer absolutamente o inverso. Quando o coração do homem é tocado – e estou absolutamente convencido de que somente Deus o toca -, vai para os demais. É uma força Pascal libertadora. A redenção do coração do homem através de Jesus Cristo inexoravelmente o vai levando ao irmão. Inexoravelmente. E além disso, em uma sensibilidade profunda e não em um conjunto de interesses espúrios, como pode acontecer na política.
CHEGAR AO FUNDO DA ALMA
- O que faz, mais ou menos?
- Trato de levar as pessoas a uma relação pessoal com Deus e concretamente também com Jesus Cristo. Que Deus seja vivo e verdadeiro e não uma abstração mental. Com a palavra vinho ninguém se embriaga, com a palavra fogo ninguém se queima. Este Deus no coração do homem – não somente na cabeça – é uma força explosiva. Um Jesus Cristo assumido leva você a um processo Pascal – Páscoa significa passagem – passagem do egoísmo ao amor, de nós mesmos ao próximo. O primeiro próximo é o que está ao nosso lado, depois, a outra projeção é o mundo para onde Jesus Cristo se foi. E os objetivos que teve, e seus preferidos que foram objetivamente os humildes, os últimos.
“Há outros níveis no coração do homem. Por exemplo, o da solidão profunda e última, que ninguém neste mundo pode habitar. Como diz o Concílio, existem no ser humano diferentes níveis de profundidade e o último ninguém pode habitar. A essência da pessoa consiste em experimentar-se como um e único. Nesse último nível só Deus acompanha o homem”.
- Para o encontro do Deus, tem que levar as pessoas a essa solidão profunda?
- Chega-se e eu ensino a chegar a esse nível profundo que os místicos chamavam “a profundidade da alma”.
- Isto é doloroso...
- Não, muito pelo contrário. Aí é onde desaparecem os medos. Que é o medo? Não é mais que a experiência e a sensação de estar só. O homem nesta última solidão, quando se sente povoado por Deus, encontra o que a Bíblia chama shalom e nós traduzimos pela palavra paz. Mas nunca a palavra paz traduz os conteúdos vitais da palavra shalom que significa segurança, liberdade, plenitude de vida, gozo, alegria. E isto é o que Deus deixa.
“Conheço muito gente por esses países da América Latina e Espanha, inúmeras pessoas de compromisso forte na sociedade, empresários, homens de negócios, que antes de sair para trabalhar se dedicam a estar com Deus por trinta ou quarenta minutos, em níveis profundos, e isto lhes dá serenidade, paz e sabedoria para todo o dia”.
- Está convidando as pessoas a seguirem um caminho místico?
- Não é místico, é evangélico no máximo, porque a palavra místico se presta a grandes equívocos e grandes alienações. Por isto eu, depois de ensinar as pessoas a tratar com Deus, lhes digo: se este Deus não as leva ao mundo dos demais, sobretudo dos pobres, e dos humildes como foi Jesus Cristo, tudo o que lhes ensinei pode resultar alienante e evasivo, não seria evangélico. Desafio a viver como Jesus Cristo. Ele foi um espetáculo: em uma sociedade classista se comprometeu e apostou nos últimos. Se não fazemos isto, o anterior seria evasivo.
- De tudo o que você diz, o mais impressionante é este convite a submergir na solidão interior. Considerando que nesta época todo mundo se aterroriza diante da solidão, é isto o que mais custa às pessoas que chegam a você?
- Exatamente. A solidão interior se pode comparar com o silêncio interior. São o tumulto e a agitação que vêm de fora e que vivemos dentro, que nos impede de chegar a essa identidade consigo mesmo. Solidão é diferente de solitariedade que tem o sentido trágico. Falando tecnicamente solidão é: eu sozinho e somente uma vez, captar que eu sou diferente de todos que é como ficar consigo mesmo. Mas em profundidade e no melhor sentido da palavra – e não tem nada a ver com egoísmo nem egocentrismo -, depois de serenar os nervos, acalmar as tensões, entro no mundo da fé e me relaciono com um Deus essencialmente libertador. Porque, repito pela enésima vez, viver verdadeiramente a relação com Deus leva inexoravelmente aonde foi Jesus. O difícil é tirar todos os incômodos interiores, sentimentos, pressentimentos, recordações, emoções, temores, ansiedades, até ficar sensível e perfectível a mim mesmo. Esta é a última solidão do ser. Experimentalmente, não filosoficamente.
“A maioria das pessoas não chega a fortes experiências de Deus por não fazer um trabalho prévio de purificação e de silêncio”.
- O silêncio interior é um conceito das religiões orientais também... Qual o ponto de contato do que você ensina com essas outras expressões da espiritualidade?
- As religiões orientais efetivamente fazem um trabalho extraordinariamente positivo nisto que chamo “trabalho prévio”, de um Silenciamento total, sem o qual é muito difícil que se dê um verdadeiro encontro com o Senhor Deus. Mas tenho entendido que as religiões orientais não têm um Deus pessoal como é o Deus da Bíblia. Então ficam com umas experiências – não estou seguro -, que chamaríamos de ordem cósmica, panteísta ou coisa parecida.
“Por outro lado no cristianismo uma vez que se produz este Silenciamento interior é um Deus pessoal e concreto, o Deus da Bíblia. Aí estaria a diferença e aí também a conjunção”.
- O seu é então uma alternativa cristã às práticas orientais?
- Nada disso. Eu prescindo completamente das religiões orientais. Eu vou com meu Senhor Jesus Cristo, com Deus Pai Amor que Ele nos revelou e trato de pôr uma série de mudanças e métodos para relacionar-se em toda profundidade com o Senhor Deus dos cristãos.
DEUS QUER QUE SEJAMOS FELIZES
- Como sacerdote, que diria que é o mais próprio seu, os Encontros de Experiência de Deus?
- Sim e não. Porque eu tenho também dois livros dedicados às relações humanas. Um é “Suba Comigo”, totalmente dedicado às relações fraternas. E ultimamente, como há vários anos tive que relacionar-me muito com pessoas que vêm falar comigo sobre seus problemas, observei duas coisas: a gente sofre demais por obsessões, angústias, depressões, dispersão mental, uma série de sofrimentos que fazem a pessoa infeliz. Evidentemente que existem males sociais dos quais se preocupam os Estados. Mas além da pobreza, do analfabetismo, da guerra, existem males muito mais definitivos, mais a nível pessoal. É a agonia mental. Depois fui vendo que as pessoas profundamente afetadas pelas depressões, melancolias, vêm dificultando profundamente seu caminho para Deus, de trato profundo e pessoal com Deus. Entramos aí num círculo vicioso. Fui vendo que os mecanismos espirituais ou de fé não são adequados para transformar o sofrimento da vida em fonte de paz. Ou, dizendo de outra maneira, são relativamente poucas as pessoas que com seu Deus são capazes de transformar graves desgostos, graves fracassos, profundas tristezas, em alegria, liberdade e paz. Então fui vendo ao longo dos anos que além dos elementos de fé devo dar ao homem elementos humanos. De tal maneira que pessoas que não têm fé ou a têm muito fraca, podem mediante terapia simples, diria de sentido comum, diminuir, atenuar em certos graus o sofrimento. Então fui concebendo este livro: “Sofrimento e Paz”. O objetivo do livro é que o leitor por si mesmo, com os meios que entrego, possa ir diminuindo os grandes focos de sofrimento interior.
- É contra a psicologia?
- Não posso ser inimigo das técnicas psicológicas. Todos pretendemos o mesmo: os políticos, os médicos, os psicólogos, os sacerdotes, todos pretendemos fazer o ser humano mais feliz. Fazê-lo um pouco mais feliz e ajudá-lo a sofrer menos.
- A Igreja Católica ensinou as pessoas a conformar-se com a dor. Inclusive dá a impressão que Jesus foi o primeiro masoquista por essa espécie de glorificação do sofrimento...
- Não se trata de glorificação do sofrimento. Mas de assumir. Sentir raiva contra o sofrimento, bater contra as paredes, de que serve isto? A visão do cristianismo é assumir tudo aquilo e de alguma maneira suprir o que falta à Paixão do Senhor. Estes são conceitos muito profundos que exigem conhecimentos prévios: as pessoas que não têm um conhecimento teórico das profundidades da religião imediatamente vão sacar a mesma palavrinha que você: masoquismo. Mas isto é um absurdo porque se julga algo que não se conhece em profundidade.
- São distintos fatores de sofrimento?... O que se busca não é cristão?
- O que vai ser? Deus não quer que soframos! Deus quer a felicidade de seus filhos.
- Qual é então a diferença? Qual é o sofrimento que o cristão deve assumir e de qual deve libertar-se?
- O sofrimento que vem involuntariamente, o que vem sem que se tenha buscado. A morte de um ser querido, por exemplo. Mas o cristão não deve buscar, para nada, o sofrimento. Deus quer que sejamos felizes e que estejamos sãos, que façamos da existência um vale de gozo. Porque os que sofrem fazem sofrer, os amados amam, somente os amados amam e os amados não podem deixar de amar. Estou convencido de que se tem que fazer o cristão feliz, não por um ideal hedonista, mas porque esta é a maneira de fazê-lo capaz de amar os demais e de fazer felizes os demais.
“Agora, sem que se busque, a vida está cheia de golpes e é a estes que nos referimos. Por isto o quarto capítulo do meu livro é assumir todos esses golpes e transformá-los em uma fonte de paz. É a solução das soluções do mistério da dor humana. E a nível da fé é um enriquecimento poderoso da Igreja por dentro. De tal maneira que se trata de levar um copo de alegria aos corações humanos e de fazê-los um pouco mais felizes. Na medida em que os ensinamos a sofrer menos”.
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